A organização actual da escola não devia ser uma determinação fatal para o sistema educativo.
Se a forma como a escola está organizada é um entrave à melhoria da sua eficácia, devia-se investir na procura de alternativas.
Em vez de o fazer, a começar por mais autonomia no seu funcionamento, está o MEC a tratar de remendar o currículo, voltando atrás no tempo, sem retirar nada visível e palpável da experiência anterior, que durou dez anos e custou rios de dinheiro ao erário público.
Quase todas as experiências educativas já foram feitas, se não por cá, foram-no noutros países. Há imensa informação a relatá-las, com conclusões para todos os gostos e todas as ideologias.
O que nunca foi feito foi vivermos o momento actual, na actual conjuntura de um mundo em que toda a gente está legitimamente na escola, com ferramentas de conhecimento e comunicação nunca alcançadas e que há poucas décadas eram pura ficção.
Continuar a organizar a escola como se fazia há 30 anos é uma decisão louca porque irreal.
A questão dos custos não é, no nosso mundo, uma questão secundária. Tudo custa dinheiro e alguém tem de o pagar. Se existe uma estimativa bem aproximada da realidade, do custo anual por aluno, seja de que nível for, é necessário ter isso em conta nas decisões de política educativa.
Mas também é preciso ter em conta que é em cada escola que se sabe o que os seus alunos precisam. Deveria caber à escola decidir que tipo de organização será melhor para os seus alunos: desde o grupo às matérias que devem ser estudas para concluir o seu ciclo, seja ele qual for.
O facto de se querer vestir um currículo igual a todos os alunos é uma contradição com o género humano: se somos todos diferentes porque razão é que não temos isso em conta na organização escolar?
A melhor forma de ensinar um aluno é prestar atenção a essa pessoa e trabalhar para a sua evolução pessoal. É isso que se faz no projecto Fénix, nas turmas de nível e em todos os projectos educativos que saem fora do currículo pronto a vestir.
Depois desta espécie de preâmbulo, a minha proposta sobre o que está em discussão pública é a de que o Ministério esqueça para já mais alterações ao currículo e se fixe em duas metas:
1 – Atribuir real autonomia às escolas e aos professores e dotá-las da possibilidade de gerir as suas próprias receitas;
2 – Extinguir as Direcções Regionais e todos os organismos que tentam centralizar o que não é centralizável.
Enquanto isto se faz, pode-se finalmente em cada escola organizar os tempos e as matérias de acordo com as necessidades reais e contribuir, ao mesmo tempo, com propostas práticas para reformular os programas e o elenco disciplinar.
Espreitar as mensagens no telemóvel não é violência. É demonstração de afecto. "Até dá alguma segurança. Se ela não ligasse nada, é que ia ficar desconfiado. Era sinal de que não gostava muito de mim", atira João Baía, estudante, 18 anos. E se um rapaz proibir a namorada de usar minissaia? "Se ele gosta tanto de nós, até pode ser de ficar contente", admite Joana Queirós, 17. Violência física admite-se? "Isso não. Mas tenho uma amiga que andou vários meses assim, com o namorado a bater-lhe", revela Mariana Guimarães, 22 anos.
A violência vive entre os jovens. Entre os casais de namorados e entre os colegas na escola. Sob a forma de agressões físicas, mas sobretudo de insultos, humilhações, inibição de sair, de usar um decote, ou de falar com outras pessoas. E o que mais preocupa os especialistas é que a violência nem sempre é percepcionada como tal. Para começar a mudar mentalidades, a Associação de Apoio à Vítima (APAV) lançou esta semana uma campanha de prevenção da violência entre os jovens. Do bullying na escola à violência no namoro", o mote é Corta com a violência - Quem não te respeita não te merece. "É uma mensagem emocional, assertiva. Um lema para levar para a vida", sintetiza Rosa Saavedra, da APAV, cujo objectivo é "dar visibilidade a formas de violência menos valorizadas pela comunidade em geral, como a intimidação, o gozo, atitudes controladoras nos relacionamentos de namoro". É que, "apesar de terem um impacto físico menos óbvio, tendem para formas de violência mais grave".
No caso de Joana Santos, 21 anos, nem foi preciso esperar muito. O ex-namorado começou com pequenas cenas de ciúmes. "Andava tapadinha de cima a baixo. Saias ou calções nem pensar." No início tolerava. "Era aquela coisa de ter medo de o perder e ficar sozinha outra vez." Não passaram muitos meses até que a violência assumiu contornos mais agudos. "Ele até da minha mãe tinha ciúmes. Se saíssemos as duas, punha-se a dizer que íamos fazer olhinhos aos gajos." Depois veio a primeira bofetada. E outra e mais outra. "Uma vez tive de saltar de um carro em andamento para não levar mais." Joana tinha 19 anos, o namorado 26. A gota de água ocorreu num centro comercial. "Estávamos na zona de refeições e uns rapazes na mesa ao lado começaram: "Ui, gaja boa." Ele escarrou-me logo na cara. Acusou-me de os ter provocado. Deu-me dois estalos." Nesse dia, Joana acabou com a cara coberta de sangue. Mas, durante os dois anos que durou o namoro, fechou-se em copas. "Ele ameaçava-me, se falasse."
Para a psicóloga Marlene Matos nada disto surpreende. "Os jovens raramente recorrem às instituições formais, como polícia ou associações de apoio à vítima. Quando procuram alguém, costuma ser os professores ou os pares. Por isso é que é importante que nas comunidades exista uma mensagem de tolerância zero em relação à violência. E isso nem sempre acontece", alerta a investigadora da Universidade do Minho, co-autora do estudo Violência Física e Psicológica em Namoro Heterossexual, publicado em 2008 e segundo o qual a violência nas relações amorosas nos jovens entre os 15 e os 25 anos atinge níveis idênticos aos verificados entre os adultos. Dos 4730 jovens inquiridos, 25% tinham sido vítimas de violência por parte do parceiro, desde insultos, ameaças e coacção (20%) à agressão física (14%). Por outro lado, 30% declararam já ter agredido o parceiro. "Estava muito presente o discurso que tende a encarar a agressão como um acto de amor. Uma das diferenças em relação à violência entre adultos é que entre os jovens é mais comum a chamada "pequena violência" - a bofetada, o difamar, injuriar e humilhar. A outra é que entre os mais novos a violência é usada tanto por rapazes como por raparigas. Não se nota aquele padrão tipificado de agressor masculino como nas relações entre adultos."
Que o diga o estudante João Fernandes, 22 anos. "A minha ex-namorada tinha muitos ciúmes. Por qualquer coisa atrofiava. Bastava ver-me a falar com uma rapariga num bar. Chorava, mandava-me mensagens a chamar-me porco e a dizer que eu não valia nada", recorda, à mesa de um café com a actual namorada. Flávia Ferreira, 17 anos, foi também ela vítima dos ciúmes da ex-namorada de João. "Puxou-lhe os cabelos, ofereceu-lhe porrada, fez-lhe trinta por uma linha", recorda João. A relação durou seis meses. "Ela gostava mesmo de mim e por isso fazia o que devia e o que não devia. No início, ela atrofiava e eu desculpava-lhe as asneiras, porque era bom saber que ela gostava assim tanto. Mas um dia, estive quase a passar-me e a cair-lhe em cima. Foi um acumular de situações...", expõe.
A psicóloga Carla Viana, a trabalhar num agrupamento de escolas de Alfena, explica. "Entre os jovens, a violência física não é tão bem aceite. Mas o gozar, o humilhar, a pressão, o controlo, a inibição de contactos e a exigência de uma vida dedicada ao outro já são muito mais aceites e desculpados. Ouve-se coisas do género: "Se ele faz isso, é porque gosta mesmo de mim." Para nós o desafio é obrigar estes miúdos a olhar para estes comportamentos e a repensarem-nos."
Observatório parado
No ano lectivo 2009/2010, registaram-se 4713 ocorrências nas escolas. Destas, 33% consistiram em ofensas à integridade física, 27% em furtos, 11% em injúrias e ameaças. Só na Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, em 2010, foram abertos 166 inquéritos por violência escolar (145 no ano anterior). Até ao terceiro trimestre de 2011, contavam-se 107, segundo a assessoria de imprensa de Pinto Monteiro.
Mas serão os casos mais graves. "Mesmo nas escolas, a maioria das agressões resulta de desentendimentos relacionais. Alunos que se desentendem num jogo de futebol ou numa situação de namoro, em que alguém arranjou uma nova namorada, mas esqueceu-se de avisar a anterior... São quase sempre formas de agressividade relativamente mínimas. O que revelam é uma imaturidade emocional que, numa idade em que a mobilidade afectiva é muito grande, os leva a reagir mal", relativiza João Sebastião, coordenador do Observatório da Segurança em Meio Escolar. Criado em 2005, o observatório é a unidade responsável por fazer a recolha e o tratamento dos dados sobre a violência nas escolas. Mas o contrato com o Ministério da Educação caducou em Dezembro. "Neste momento não estamos a fazer o tratamento dos dados, porque o ministério não nos disse se é para continuar." Ao PÚBLICO também não. O gabinete de Nuno Crato não respondeu às questões colocadas a meio desta semana.
Não bastava a incógnita quanto à monitorização dos dados sobre violência escolar, João Sebastião acha que o desaparecimento do módulo de Cidadania e Segurança no 5.º ano pode traduzir um retrocesso em termos de prevenção da violência. "Era um tempo em que os alunos eram chamados a compreender a violência e informados dos recursos que tinham para se defender, e que até se previa que fosse alargado ao 9.º ano. Desse ponto de vista, haverá uma regressão", antecipa o sociólogo.
João Baía, 18 anos, seria bom candidato à sensibilização para a violência.
- Havia um rapaz na minha turma que era muito calado. Ficou o Cristo de toda a gente. Qualquer coisa, caíam-lhe em cima. Davam-lhe cachaços, punham-lhe alcunhas, nunca o chamavam para os jogos de futebol.
- E tu?
- Eu também não! Ele ficou excluído pela personalidade dele. Aquilo foi assim o ano todo, até que ele acabou por mudar de escola.
É um caso que podia ter motivado processo-crime. Mas para isso era preciso que Isabel Alçada, a anterior ministra da Educação, tivesse avançado com a criminalização do bullying. É agressão como as outras, mas continuada. Pode ser só ostracismo, desdém, troça, uma risada, uma careta. A devastação que provoca resulta da sua durabilidade no tempo. A palavra bullying surgiu, por exemplo, associada ao suicídio de Rafael Pereira. Tinha 10 anos. Em Outubro, foi encontrado enforcado, no quarto da sua casa, em Lisboa. Em Março, Leandro, 12 anos e aluno do 6.º numa escola em Mirandela, atirou-se ao rio Tua. Costumava ser humilhado e agredido pelos colegas. Em Maio, Filipa, 13 anos, aluna do 8.º, numa escola em Queluz, foi agredida por duas colegas na via pública. Alguém filmou com o telemóvel. O vídeo circulou no Facebook e no Youtube. O caso chegou à justiça e esta segunda-feira vai ser feita a leitura do acórdão. Mas são muitos os que defendem que a intervenção seria mais célere, se o crime de bullying estivesse autonomizado no Código Penal. A proposta chegou ao Parlamento em Dezembro de 2010 e previa penas de prisão de um a cinco anos. Foi aprovada em Janeiro de 2011, com os votos contra do BE, do PCP e do PEV e as abstenções do PSD e CDS/PP.
O problema é que depois disso caducou. É assim mesmo que se lê no site do Parlamento. Frederico Marques, assessor técnico da direcção da APAV, lamenta a oportunidade perdida. "Não era uma solução milagrosa, mas, à semelhança do que se passou com a violência doméstica, ajudaria a sedimentar este tipo de crime, até porque muitas das condutas que lhe estão associadas têm penas relativamente baixas quando encaradas individualmente." João Sebastião discorda. "Atribuir o estatuto de criminosos a crianças e jovens parece-me uma reacção desajustada do sistema político à agitação mediática." O deputado comunista Miguel Tiago concorda. "Onde é que estão os funcionários a vigiar os miúdos nas escolas? Largamo-los às centenas nos recreios, não há colocação de funcionários, os psicólogos foram reduzidos, ou seja, falha-se na prevenção e depois se um jovem agride alguém agrava-se a pena?"
O PÚBLICO perguntou ao gabinete de Nuno Crato se a intenção do ministro é recuperar a criminalização do bullying, mas não obteve qualquer resposta. O que se sabe é que, no âmbito das alterações ao estatuto do aluno, os pais irão ser responsabilizados pela indisciplina e falta de assiduidade dos seus filhos. Como? O secretário de Estado João Casanova de Almeida, responsável por este processo, ainda não revelou. O sociólogo João Sebastião teme pelo que virá. "Vamos penalizar os pais dos miúdos a quem, até pelas jornadas de trabalho e pelo tempo que perdem em deslocações, foi retirado o tempo para serem pais?" Frederico Marques, da APAV, lembra que o importante seria investir na educação parental. "Responsabilizar os pais só faz sentido, se for numa perspectiva pedagógica. Agora sancionar..."
Psicoterapeuta na Unidade de Consulta em Psicologia da Justiça da Universidade do Minho, Marlene Matos salienta que o fundamental era "não deitar a perder a motivação que as escolas têm para combater o problema". "Sem isso persistirão os estereótipos que levam os rapazes a sentir que têm a última palavra naquilo que a mulher pode fazer e as raparigas a achar que o namorado proibi-las de usar maquilhagem ou determinada roupa é amor, interesse e preocupação."
"E não pode ser?", contrapõe Joana Queirós, 17 anos, quando lhe perguntam se admitiria um namorado que a proibisse de usar minissaia. "Por um lado não, mas por outro... Se ele gosta tanto de nós, até pode ser de ficar contente."
"É grave", analisa Sónia Caridade, autora dos primeiros estudos feitos em Portugal sobre violência entre jovens, "porque é uma legitimação da violência menor". Se é assim no discurso, sê-lo-á ainda mais na prática. "Mesmo quando dizem que não aprovam tais comportamentos, numa análise mais micro percebem-se as incongruências entre o discurso e a prática." Traduzido por Filipa Guedes, uma estudante de 20 anos: "Os jovens têm cada vez mais noção, mas não é por isso que deixam de tolerar. Eu já tive um namorado que me agarrou no braço e nunca mais lhe falei. Mas tenho uma amiga a quem o namorado já bateu e que continua o namoro." "O pior", remata Marlene Matos, "é que estes comportamentos podem constituir-se como precursores, ou seja, é um factor de risco para a violência na idade adulta o ter-se experimentado violência na fase do namoro". Mesmo que disfarçada de afecto. A violência vive entre os jovens. Entre os casais de namorados e entre os colegas na escola
A violência vive entre os jovens. Entre os casais de namorados e entre os colegas na escola. Sob a forma de agressões físicas, mas sobretudo de insultos, humilhações, inibição de sair, de usar um decote, ou de falar com outras pessoas. E o que mais preocupa os especialistas é que a violência nem sempre é percepcionada como tal. Para começar a mudar mentalidades, a Associação de Apoio à Vítima (APAV) lançou esta semana uma campanha de prevenção da violência entre os jovens. Do bullying na escola à violência no namoro", o mote é Corta com a violência - Quem não te respeita não te merece. "É uma mensagem emocional, assertiva. Um lema para levar para a vida", sintetiza Rosa Saavedra, da APAV, cujo objectivo é "dar visibilidade a formas de violência menos valorizadas pela comunidade em geral, como a intimidação, o gozo, atitudes controladoras nos relacionamentos de namoro". É que, "apesar de terem um impacto físico menos óbvio, tendem para formas de violência mais grave".
No caso de Joana Santos, 21 anos, nem foi preciso esperar muito. O ex-namorado começou com pequenas cenas de ciúmes. "Andava tapadinha de cima a baixo. Saias ou calções nem pensar." No início tolerava. "Era aquela coisa de ter medo de o perder e ficar sozinha outra vez." Não passaram muitos meses até que a violência assumiu contornos mais agudos. "Ele até da minha mãe tinha ciúmes. Se saíssemos as duas, punha-se a dizer que íamos fazer olhinhos aos gajos." Depois veio a primeira bofetada. E outra e mais outra. "Uma vez tive de saltar de um carro em andamento para não levar mais." Joana tinha 19 anos, o namorado 26. A gota de água ocorreu num centro comercial. "Estávamos na zona de refeições e uns rapazes na mesa ao lado começaram: "Ui, gaja boa." Ele escarrou-me logo na cara. Acusou-me de os ter provocado. Deu-me dois estalos." Nesse dia, Joana acabou com a cara coberta de sangue. Mas, durante os dois anos que durou o namoro, fechou-se em copas. "Ele ameaçava-me, se falasse."
Para a psicóloga Marlene Matos nada disto surpreende. "Os jovens raramente recorrem às instituições formais, como polícia ou associações de apoio à vítima. Quando procuram alguém, costuma ser os professores ou os pares. Por isso é que é importante que nas comunidades exista uma mensagem de tolerância zero em relação à violência. E isso nem sempre acontece", alerta a investigadora da Universidade do Minho, co-autora do estudo Violência Física e Psicológica em Namoro Heterossexual, publicado em 2008 e segundo o qual a violência nas relações amorosas nos jovens entre os 15 e os 25 anos atinge níveis idênticos aos verificados entre os adultos. Dos 4730 jovens inquiridos, 25% tinham sido vítimas de violência por parte do parceiro, desde insultos, ameaças e coacção (20%) à agressão física (14%). Por outro lado, 30% declararam já ter agredido o parceiro. "Estava muito presente o discurso que tende a encarar a agressão como um acto de amor. Uma das diferenças em relação à violência entre adultos é que entre os jovens é mais comum a chamada "pequena violência" - a bofetada, o difamar, injuriar e humilhar. A outra é que entre os mais novos a violência é usada tanto por rapazes como por raparigas. Não se nota aquele padrão tipificado de agressor masculino como nas relações entre adultos."
Que o diga o estudante João Fernandes, 22 anos. "A minha ex-namorada tinha muitos ciúmes. Por qualquer coisa atrofiava. Bastava ver-me a falar com uma rapariga num bar. Chorava, mandava-me mensagens a chamar-me porco e a dizer que eu não valia nada", recorda, à mesa de um café com a actual namorada. Flávia Ferreira, 17 anos, foi também ela vítima dos ciúmes da ex-namorada de João. "Puxou-lhe os cabelos, ofereceu-lhe porrada, fez-lhe trinta por uma linha", recorda João. A relação durou seis meses. "Ela gostava mesmo de mim e por isso fazia o que devia e o que não devia. No início, ela atrofiava e eu desculpava-lhe as asneiras, porque era bom saber que ela gostava assim tanto. Mas um dia, estive quase a passar-me e a cair-lhe em cima. Foi um acumular de situações...", expõe.
A psicóloga Carla Viana, a trabalhar num agrupamento de escolas de Alfena, explica. "Entre os jovens, a violência física não é tão bem aceite. Mas o gozar, o humilhar, a pressão, o controlo, a inibição de contactos e a exigência de uma vida dedicada ao outro já são muito mais aceites e desculpados. Ouve-se coisas do género: "Se ele faz isso, é porque gosta mesmo de mim." Para nós o desafio é obrigar estes miúdos a olhar para estes comportamentos e a repensarem-nos."
Observatório parado
No ano lectivo 2009/2010, registaram-se 4713 ocorrências nas escolas. Destas, 33% consistiram em ofensas à integridade física, 27% em furtos, 11% em injúrias e ameaças. Só na Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, em 2010, foram abertos 166 inquéritos por violência escolar (145 no ano anterior). Até ao terceiro trimestre de 2011, contavam-se 107, segundo a assessoria de imprensa de Pinto Monteiro.
Mas serão os casos mais graves. "Mesmo nas escolas, a maioria das agressões resulta de desentendimentos relacionais. Alunos que se desentendem num jogo de futebol ou numa situação de namoro, em que alguém arranjou uma nova namorada, mas esqueceu-se de avisar a anterior... São quase sempre formas de agressividade relativamente mínimas. O que revelam é uma imaturidade emocional que, numa idade em que a mobilidade afectiva é muito grande, os leva a reagir mal", relativiza João Sebastião, coordenador do Observatório da Segurança em Meio Escolar. Criado em 2005, o observatório é a unidade responsável por fazer a recolha e o tratamento dos dados sobre a violência nas escolas. Mas o contrato com o Ministério da Educação caducou em Dezembro. "Neste momento não estamos a fazer o tratamento dos dados, porque o ministério não nos disse se é para continuar." Ao PÚBLICO também não. O gabinete de Nuno Crato não respondeu às questões colocadas a meio desta semana.
Não bastava a incógnita quanto à monitorização dos dados sobre violência escolar, João Sebastião acha que o desaparecimento do módulo de Cidadania e Segurança no 5.º ano pode traduzir um retrocesso em termos de prevenção da violência. "Era um tempo em que os alunos eram chamados a compreender a violência e informados dos recursos que tinham para se defender, e que até se previa que fosse alargado ao 9.º ano. Desse ponto de vista, haverá uma regressão", antecipa o sociólogo.
João Baía, 18 anos, seria bom candidato à sensibilização para a violência.
- Havia um rapaz na minha turma que era muito calado. Ficou o Cristo de toda a gente. Qualquer coisa, caíam-lhe em cima. Davam-lhe cachaços, punham-lhe alcunhas, nunca o chamavam para os jogos de futebol.
- E tu?
- Eu também não! Ele ficou excluído pela personalidade dele. Aquilo foi assim o ano todo, até que ele acabou por mudar de escola.
É um caso que podia ter motivado processo-crime. Mas para isso era preciso que Isabel Alçada, a anterior ministra da Educação, tivesse avançado com a criminalização do bullying. É agressão como as outras, mas continuada. Pode ser só ostracismo, desdém, troça, uma risada, uma careta. A devastação que provoca resulta da sua durabilidade no tempo. A palavra bullying surgiu, por exemplo, associada ao suicídio de Rafael Pereira. Tinha 10 anos. Em Outubro, foi encontrado enforcado, no quarto da sua casa, em Lisboa. Em Março, Leandro, 12 anos e aluno do 6.º numa escola em Mirandela, atirou-se ao rio Tua. Costumava ser humilhado e agredido pelos colegas. Em Maio, Filipa, 13 anos, aluna do 8.º, numa escola em Queluz, foi agredida por duas colegas na via pública. Alguém filmou com o telemóvel. O vídeo circulou no Facebook e no Youtube. O caso chegou à justiça e esta segunda-feira vai ser feita a leitura do acórdão. Mas são muitos os que defendem que a intervenção seria mais célere, se o crime de bullying estivesse autonomizado no Código Penal. A proposta chegou ao Parlamento em Dezembro de 2010 e previa penas de prisão de um a cinco anos. Foi aprovada em Janeiro de 2011, com os votos contra do BE, do PCP e do PEV e as abstenções do PSD e CDS/PP.
O problema é que depois disso caducou. É assim mesmo que se lê no site do Parlamento. Frederico Marques, assessor técnico da direcção da APAV, lamenta a oportunidade perdida. "Não era uma solução milagrosa, mas, à semelhança do que se passou com a violência doméstica, ajudaria a sedimentar este tipo de crime, até porque muitas das condutas que lhe estão associadas têm penas relativamente baixas quando encaradas individualmente." João Sebastião discorda. "Atribuir o estatuto de criminosos a crianças e jovens parece-me uma reacção desajustada do sistema político à agitação mediática." O deputado comunista Miguel Tiago concorda. "Onde é que estão os funcionários a vigiar os miúdos nas escolas? Largamo-los às centenas nos recreios, não há colocação de funcionários, os psicólogos foram reduzidos, ou seja, falha-se na prevenção e depois se um jovem agride alguém agrava-se a pena?"
O PÚBLICO perguntou ao gabinete de Nuno Crato se a intenção do ministro é recuperar a criminalização do bullying, mas não obteve qualquer resposta. O que se sabe é que, no âmbito das alterações ao estatuto do aluno, os pais irão ser responsabilizados pela indisciplina e falta de assiduidade dos seus filhos. Como? O secretário de Estado João Casanova de Almeida, responsável por este processo, ainda não revelou. O sociólogo João Sebastião teme pelo que virá. "Vamos penalizar os pais dos miúdos a quem, até pelas jornadas de trabalho e pelo tempo que perdem em deslocações, foi retirado o tempo para serem pais?" Frederico Marques, da APAV, lembra que o importante seria investir na educação parental. "Responsabilizar os pais só faz sentido, se for numa perspectiva pedagógica. Agora sancionar..."
Psicoterapeuta na Unidade de Consulta em Psicologia da Justiça da Universidade do Minho, Marlene Matos salienta que o fundamental era "não deitar a perder a motivação que as escolas têm para combater o problema". "Sem isso persistirão os estereótipos que levam os rapazes a sentir que têm a última palavra naquilo que a mulher pode fazer e as raparigas a achar que o namorado proibi-las de usar maquilhagem ou determinada roupa é amor, interesse e preocupação."
"E não pode ser?", contrapõe Joana Queirós, 17 anos, quando lhe perguntam se admitiria um namorado que a proibisse de usar minissaia. "Por um lado não, mas por outro... Se ele gosta tanto de nós, até pode ser de ficar contente."
"É grave", analisa Sónia Caridade, autora dos primeiros estudos feitos em Portugal sobre violência entre jovens, "porque é uma legitimação da violência menor". Se é assim no discurso, sê-lo-á ainda mais na prática. "Mesmo quando dizem que não aprovam tais comportamentos, numa análise mais micro percebem-se as incongruências entre o discurso e a prática." Traduzido por Filipa Guedes, uma estudante de 20 anos: "Os jovens têm cada vez mais noção, mas não é por isso que deixam de tolerar. Eu já tive um namorado que me agarrou no braço e nunca mais lhe falei. Mas tenho uma amiga a quem o namorado já bateu e que continua o namoro." "O pior", remata Marlene Matos, "é que estes comportamentos podem constituir-se como precursores, ou seja, é um factor de risco para a violência na idade adulta o ter-se experimentado violência na fase do namoro". Mesmo que disfarçada de afecto. A violência vive entre os jovens. Entre os casais de namorados e entre os colegas na escola