1993 é mais do que um ano, é o começo de um período de disparates
"Para regressar a 1993, temos de o fazer dentro de uma década para que
a viagem faça sentido. Chegamos desde logo a um período em que vivíamos
uma euforia alimentada pela entrada de Portugal na que é hoje a União
Europeia. O ano de 1993 estende-se pelo resto da década por ter sido o
começo de um período de disparates.
A situação política estava
estabilizada, Cavaco Silva liderava o seu segundo Governo, tinha-se
retomado um certo crescimento económico, mas sobretudo tinha-se criado a
ideia, com os dinheiros da CEE, de que isto agora era um maná. A
construção civil crescera muito, as pessoas queriam ter a sua casa, o
que era normal. Hoje é reconhecido por todos que houve nessa altura
demasiada facilidade na aquisição de casa própria, mas não é a isso que
me refiro quando digo que começaram os disparates.
Os disparates
começaram porque não aproveitámos esse período de adesão europeia, com
um governo estável, para responder ao desafio de estarmos integrados num
grupo de países com um desenvolvimento muitíssimo maior do que o nosso.
Não encarámos isso como um desafio a que era preciso responder com
determinação, mas como se nos tivesse saído a sorte grande e tudo fosse
fácil – um pouco à portuguesa. E então começam os exemplos dos
disparates.
Quando, na sequência do Tratado de Maastricht (1992)
surgiram os problemas para respeitar o défice orçamental, matéria de que
agora tanto se fala, arranjou-se a solução enganosa de atirar para o
futuro. E os anos assim foram passando, em euforia.
O país tinha
então empresas na órbita do Estado com os seus próprios fundos de
pensões (PT, CTT). Entrámos na década de 2000 e na altura a ministra das
Finanças, Manuela Ferreira Leite, chamou para o Estado o fundo de
pensões da PT, para resolver um problema de défice orçamental.
A
transferência do fundo de pensões entrou como receita do Estado esse ano
para ficarmos abaixo do célebre limite dos 3%. Estávamos em 2003. O
Governo integrou o fundo de pensões da PT na Caixa Geral de Aposentações
(CGA), Portugal ficou abaixo do tecto do tratado, continuámos a ser
chamados bons alunos e começou a atirar-se para o futuro da CGA os
encargos correspondentes que agora se estão a ver.
Seguiram-se
outros governos e outros fundos de pensões, nomeadamente dos CTT e dos
bancários. Tudo isso tem pesado muitíssimo no desregulamento da
capacidade do Estado de assegurar o pagamento de todas essas pensões,
pelas quais ficou responsável, em contrapartida da entrada dos fundos
como receita pública.
É também deste período um grande aumento no
número de funcionários públicos e a introdução do regime de promoções
automáticas pelo qual um funcionário público era automaticamente
promovido ao fim de um certo tempo, independentemente de outras
considerações. Era apenas uma questão de tempo.
É com a ideia
generalizada nesta década de que havia sempre dinheiro que começa uma
série de obras de utilidade discutível e em regime de pagamentos
diferidos, tudo isso atirando custos para o futuro. Agora estamos nesse
futuro, com dificuldade em pagar os encargos.
Não se aproveitou a
estabilidade política existente para tirar partido das vantagens
competitivas que Portugal, apesar de tudo, oferecia – e que nesse tempo
ainda eram mais significativas – para forçar um maior investimento
estrangeiro, sobretudo na área dos bens transaccionáveis. Pelo
contrário, insistiu-se nos serviços, nomeadamente imobiliário, e
diminuiu a indústria, em vez de aumentar.
Não se usou o que
poderia ter sido um trunfo enorme para o desenvolvimento do país e havia
todas as condições para o fazer. Sentimos hoje os efeitos de nos termos
tornado um país de serviços. O turismo tem todas as vantagens, mas não
chega, como verificamos. Em contrapartida, o que se desenvolveu foi o
imobiliário com as consequências conhecidas de aumento anormal do valor
das casas, para além do seu valor real, especulação na construção, na
promoção imobiliária e o rosário que se seguiu.
Conjugou-se a
euforia dos "dinheiros de Bruxelas" e a acção deficiente de um governo
estável na altura que não tirou partido dessa estabilidade para forçar
um desenvolvimento e entusiasmar os portugueses a saberem responder ao
desafio que a CEE significava. Vingou a ideia de que era uma benesse e
que nos tinha saído a sorte grande. Não era nada disso. Era o início dos
disparates, que infelizmente continuaram.
Manuela Ferreira Leite
foi a primeira, mas houve vários governos, inclusive do PS, que fizeram o
mesmo. Hoje fala-se muito nas PPP, mas não se fala no efeito das
transferências dos fundos de pensões: as dificuldades financeiras da CGA
também têm a ver com esses buracos sucessivamente tapados transferindo
para o Estado o encaixe e a responsabilidade de pagar aos reformados da
banca, dos CTT e outros como se fossem funcionários públicos.
Todas
essas manobras tiveram o mesmo efeito que foi atirar para o futuro, à
conta da CGA, o pagamento de pensões de reforma de pessoas que não
tinham nada a ver com a função pública. Agora estamos a pagar e bem
estes disparates."
A partir de depoimento verbalJosé Torres Campos foi secretário de Estado da Indústria e Energia nos três primeiros governos provisórios, foi gestor da Cimpor, da Liscont, do IPE e da Parque Expo , entre outros. Em 1993 trabalhava no sector privado.