08 outubro, 2016

Ecrãs para os mais pequenos não, defende neuropsicólogo

No Público. Acho que dá que pensar e é urgente dar ouvidos a quem sabe! Todos os professores sabem que têm salas de aulas cheias de alunos que não têm curiosidade, capacidade de atenção e concentração, paciência e sem resistência à frustração! E sofrem porque não se entendem nem conseguem ser diferentes. Não têm ferramentas emocionais.

Ecrãs para os mais pequenos não, defende neuropsicólogo

"O espanhol Álvaro Bilbao alerta para os problemas de défice de atenção, comportamento e insucesso escolar.
O neuropsicólogo espanhol Álvaro Bilbao defende que os ecrãs deviam estar vedados às crianças até aos três anos. Os estímulos rápidos e as recompensas imediatas dos tablets e dos smartphones matam a curiosidade, avisa.
No seu livro O cérebro da criança explicado aos pais, lançado este mês em Portugal, Álvaro Bilbao deixou em branco o capítulo 25, destinado a elencar as melhores aplicações tecnológicas para crianças até aos seis anos. "Lamento dizer que não encontrei nenhuma que seja útil para o desenvolvimento intelectual e emocional das crianças destas idades", diz o autor, doutorado em Psicologia da Saúde e formado em Neuropsicologia pelo Hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
O especialista em plasticidade cerebral lembra os vários estudos que já demonstraram que as crianças que se expõem muito cedo a novas tecnologias têm maior probabilidade de desenvolver défice de atenção, problemas de comportamento e insucesso escolar.
Mas os ecrãs não são todos iguais. Para Álvaro Bilbao, a televisão "causa menos danos" porque permite maior passividade.
Pode parecer um contrassenso para os pais que uma ferramenta "mais passiva" seja menos nociva, mas é a rapidez do ritmo de interacção e a quantidade de estímulos das novas tecnologias que mais preocupam o especialista. "As crianças recebem muitos estímulos visualmente atractivos e têm muitas recompensas rápidas. Passam o dedo no ecrã e têm um prémio. Na vida real não é assim; na vida real a professora não é tão visualmente colorida, não se move tão depressa e não está constantemente a reforçar a criança".
Além disso, a rapidez e quantidade de estímulos recebidos pelas novas tecnologias não permitem treinar a atenção, nem a paciência.
As televisões sempre são mais passivas e activam ondas cerebrais que ajudam a relaxar. Ainda assim, também a televisão deve ser doseada, diz Bilbao, permitindo períodos curtos e retardando o mais possível na idade. "Muita estimulação mata a curiosidade, uma criança que recebe muita informação satura-se e deixa de gostar de explorar e de aprender. Já uma criança curiosa é a que gosta de aprender. Não matemos a curiosidade", pede o neuropsicólogo.
Álvaro Bilbao incita os adultos a uma reflexão sobre o seu próprio uso das novas tecnologias; "Usamos smartphones há alguns anos. Quantos de nós se notam mais inteligentes por isso? E, agora, quantos de nós se sentem menos pacientes?".
Mais desenvolvimento intelectual traz felicidade?
A maioria dos pais dedica muito esforço à formação académica dos filhos, convencidos de que uma "mente brilhante abrirá todas as portas", mas o neuropsicólogo considera errada a ideia de que maior desenvolvimento intelectual traz mais felicidade.
O especialista espanhol parte da ideia de que o cérebro se divide em três partes – uma mais instintiva, outra mais intelectual e outra mais emocional. Ora, os primeiros anos da criança são os mais importantes para o desenvolvimento da parte emocional; é aqui que se progride na autoestima, na confiança em si mesmo e no vínculo aos outros, em primeiro lugar, aos pais.
Álvaro Bilbao pega no exemplo da aprendizagem de línguas, começando por admitir que é mais fácil aprender chinês ou inglês nos primeiros anos. Contudo, as línguas estrangeiras podem ser aprendidas mais tarde, enquanto o desenvolvimento da autoestima, a imaginação, o afecto e bons vínculos ocorrem nesses primeiros anos e, depois, pode ser tarde demais.
"Os primeiros anos de uma criança são para o cérebro emocional, não para o cérebro racional ou intelectual", resume o neuropsicólogo.
O perito reconhece que actualmente se fala muito em inteligência emocional, mas julga que se age pouco de acordo com o que já é conhecido: "Quando numa escola há uma criança sem amigos ou que sofre perseguição de colegas, a escola segue em frente, continua dando matéria e testes, mas não se detém a solucionar esse problema emocional".
Modelo semelhante é visível nos pais, que depositam interesse nas notas que um filho atinge mas não se preocupam tanto em saber se é bom com os seus pares ou se tem algum colega que esteja sempre sozinho ou isolado.
No livro, o autor advoga que a maioria dos pais dedica muito esforço à formação académica por estarem convencidos de que "uma mente brilhante abrirá todas as portas que podem levar uma pessoa a ser feliz". "A ideia de que um maior desenvolvimento intelectual proporciona uma maior felicidade está totalmente errada", afirma.
A chave para compreender melhor a afirmação do neuropsicólogo pode estar na ausência de correlação entre a capacidade intelectual e a capacidade emocional. E para o autor, a prova disso é que há muitas pessoas com excelentes carreiras de sucesso e cheias de capacidades intelectuais mas que não têm empatia, sofrem de stress crónico e não conseguem encontrar felicidade.
O especialista vinca que a inteligência emocional e a racional estão localizadas em áreas bem diferentes do cérebro, que são independentes.
Mas a ciência da inteligência emocional é recente, era desconhecida da geração que desempenha agora o papel de avós ou bisavós e foi pouco transmitida aos actuais pais, que desconhecem ainda muito do vocabulário emocional.
Álvaro Bilbao defende a importância de deixar que a criança expresse as suas emoções, as entenda e as saiba nomear: "Se tem vontade de chorar, pois que chore. Não lhe digamos, 'pára de chorar'. Devemos tentar que perceba qual a razão que a faz chorar, que a identifique e a compreenda". "

08 maio, 2016

Como o cérebro cria o zero a partir do nada




Ana Gerschenfeld


06/05/2016 ­ 08:31


Ao contrário dos meros 1, 2, 3…, que contam objectos, 0 simboliza o vazio e a sua invenção foi um dos maiores avanços intelectuais da humanidade. Os processos neuronais envolvidos nesta façanha cognitiva começam agora a ser desvendados.


Na placa de Gwalior (Índia), datada de 876 d.C., o mero "270" surge quase idêntico à sua representação actual
Sociedade Americana de Matemática







2 / 2

O mero zero, que representa o nada, a inexistência de algo, é fundamental para tudo o que fazemos, das contas do dia­a­dia à construção de naves espaciais, da matemática à sica à engenharia e aos mais sofisticados algoritmos informáticos. Porém, a sua invenção é relativamente recente e demorámos séculos a perceber a sua real importância e a conseguir utilizá­lo como o mero de pleno direito que é.

Como é que o nosso cérebro faz para transformar o nada, o vazio, nesse ubíquo mero que todos conhecemos e que é representado, no nosso sistema numérico, pelo símbolo 0? Uma equipa da Universidade de Tübingen, na Alemanha, acaba de dar um passo significativo na identificação das bases neuronais deste processo cognitivo.

Andreas Nieder e os seus colegas realizaram um estudo com dois macacos Rhesus que fornece, pela primeira vez, indicações concretas sobre como e onde o cérebro traduz activamente a ausência de esmulos contáveis numa categoria numérica, explica aquela universidade num comunicado. Os seus resultados foram publicados na revista Current Biology.

Mas será que os macacos Rhesus sabem contar? Sim, com treino e se o mero de objectos a contar o for demasiado grande. Acontece que as capacidades numéricas sicas o são exclusivas da escie humana: sabe­se há várias cadas que muitas escies animais possuem um sentido de mero (ou seja, uma ideia aproximada da quantidade de objectos num dado conjunto, ou numerosidade”). Experiências com ratos, por exemplo, mostraram que estes animais podem ser ensinados a distinguir entre a ocorrência de dois eventos e a de quatro.

Ratos, pombos, papagaios, golfinhos e, claro, primatas, conseguem discriminar padrões visuais ou sequências auditivas com base apenas em propriedades numéricas (…) e tamm possuem capacidades elementares de adição e subtraão, explicava, já em 1997, no então recécriado think tank online Edge, o hoje reputado neurocientista Stanislas Dehaenne, professor do Collège de France, em Paris.

Contudo, isto o se compara à nossa capacidade mental de manipular símbolos numéricos: São precisos anos de treino para incutir os símbolos numéricos aos chimpanzés (). A manipulação simlica exacta de meros é uma capacidade exclusivamente humana, acrescentava Dehaenne.


Uma longa saga


A história do zero merece ser contada. É uma história atribulada que dá a volta ao mundo, numa longa viagem de séculos, protagonizada por brilhantes matemáticos de vários continentes.

Mas, antes disso, há uma pergunta que há muito vem sendo colocada: os meros, incluindo o zero, foram descobertos” porque já existiam na natureza ou inventados” por s? A maioria dos especialistas concorda hoje em dizer que os meros foram descobertos, que o são uma pura criação da mente humana.


E quando é que o zero foi descoberto? Aí, a resposta pode parecer paradoxal: foi sem vida descoberto há muitos séculos, mas a sua natureza profunda muito mais tarde seria plenamente compreendida e domada pela mente humana.

A primeira manifestação do zero de que há registo surgiu há uns 4000 a 5000 anos na Suméria, sob forma de um par de marcas cuneiformes, afirmava em 2009, na revista Scientific American, o matemático Robert Kaplan, autor do livro The Nothing That Is: A Natural History of Zero.

Pelo seu lado, Charles Seife, autor do livro Zero: The Biography of a Dangerous Idea, (editado em Portugal pela Gradiva sob o título Zero, Biografia de uma Ideia Perigosa), o acredita nesta datação tão antiga. Houve pelo menos duas descobertas, ou invenções, do zero, explicava no mesmo artigo. A que chegou até s veio do Crescente Fértil [que incluía Suméria e Babilónia] e apareceu entre 400 e 300 a.C. na Babilónia.

A seguir, o zero terá passado da Babilónia para a Índia e para os países árabes do Norte de África antes de atravessar o Mediterrâneo e entrar na Europa. Entretanto, tamm se espalhara para o Médio Oriente e o Extremo Oriente. Quanto à segunda descoberta do zero e nisso todos concordam , foi obra dos Maias, na América Central, aconteceu de forma totalmente independente do resto do mundo e nunca chegou a sair do continente americano.

No início, o zero (nas suas diversas formas) era um símbolo utilizado, nos sistemas numéricos como o babilónico onde o valor de cada dígito num mero depende da sua posição (equivalente às nossas unidades, dezenas, centenas… , para assinalar que, numa dada posição, o havia qualquer dígito, um espaço vazio. Este uso do mero zero é crucial, uma vez que permite resolver incómodas ambiguidades que, no nosso sistema numérico, se traduziriam, por exemplo, na impossibilidade de distinguir 216 e 2016.

Contudo, o mero zero o era ainda totalmente incontorvel na ciência e tecnologia da época:

os antigos gregos conheciano mas quase o o utilizavam, mas isso o os impediu de inventar a geometria; e o sistema numérico romano o tinha zero (o que dificultava em particular a divisão), mas isso o impediu a construção de grandes obras de engenharia.


Número de pleno direito


Seja com for, foi na Índia, há menos de 1500 anos, que o zero começou a tornase um mero de pleno direito. Foi nessa altura e mesmo assim, o totalmente que o zero adquiriu a cidadania plena na república dos meros, salienta Kaplan, no referido artigo da revista norte­americana.

Aquilo que podemos afirmar com certeza é que, por volta do século VII d.C., o zero já era utilizado na Índia com o duplo significado actual, enquanto mero e enquanto valor posicional, diz ao PÚBLICO Jorge Buescu, matemático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e vice­ presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. A primeira ocorrência registada de zero que nos chegou é numa placa exterior num templo indiano em Gwalior, na Índia, que data de 876 d.C., acrescenta. É quase arrepiante ver, numa inscrição indecifrável, surgir os algarismos que ainda




Mas a questão é que o zero é um mero tão especial e tão contra­intuitivo que, apesar de existir como mero e como valor posicional, ninguém sabia fazer contas adições, subtraões e ainda menos multiplicações e divisões que envolvessem o zero. Sabia­se que 1+1=2. Mas e 1+0?

Foram os matemáticos indianos quem estabeleceu as propriedades algébricas do zero, explica­ nos Jorge Buescu. Pode parecenos natural hoje; mas foi seguramente muito estranho olhar pela primeira vez para um mero pelo qual era impossível dividir. E no século IX, "um dos maiores matemáticos árabes, Al­Kwharizmi, escreveu um tratado sobre a arte hindu de efectuar cálculos, frisa ainda o matemático português estendendo assim o uso do zero da aritmética para a resolução de equações (o ramo da matemática a que hoje chamamos álgebra). Os árabes chamarano sifr”, palavra que daria origem a zero e cifra.

O zero entraria no Ocidente pela Itália, no século XIII, importado pelo matemático Fibonacci, tamm conhecido como Leonardo de Pisa, que o trouxe bem como todo o sistema numérico árabe (na realidade indiano) das suas viagens ao Norte de África. Mas no século XVII é que o seu uso começou a generalizase na Europa.


Contas de macacos


Voltando ao trabalho agora realizado em Tübingen, os neurocientistas treinaram dois macacos Rhesus a avaliar a numerosidade de conjuntos de pontos que surgiam num ecrã de computador. Ensinaranos a diferenciar visualmente um conjunto vazio (ou seja, com zero elementos), um conjunto com um elemento e conjuntos com dois, três e quatro elementos.

Ao mesmo tempo que os macacos executavam esta tarefa visual de discriminação numérica, os cientistas registaram a actividade neuronal em duas áreas do cérebro dos animais, situadas no lobo parietal e no lobo frontal do córtex. A segunda área recebe informação da primeira e os cientistas já sabiam, com base em estudos anteriores, que as duas regiões em causa (designadas VIP e PFC) desempenham um papel fulcral no processamento das quantidades.

Os autores constataram então que as duas regiões cerebrais em causa tinham comportamentos totalmente diferentes. Os neurónios no lobo parietal representavam os conjuntos vazios mais como uma categoria visual e portanto o abstracta , diferente da numerosidade, disse ao PÚBLICO Andreas Nieder, o líder do estudo. Pelo contrário, [a actividade] dos neurónios no lobo frontal apresentava duas características distintivas das representações quantitativas: posicionava os conjuntos vazios em relação às outras numerosidades (…) e era independente das propriedades dos esmulos visuais.

Os nossos resultados, explica ainda Nieder, sugerem que há um processamento hierárquico dos conjuntos vazios de uma região para a outra, ao longo do qual os conjuntos vazios se desligam dos sinais visuais e são integrados num connuo de numerosidade. Tudo se passa, por assim dizer, como se os neurónios da segunda área cerebral dos macacos passassem a colocar o zero no




Estes animais possuem a capacidade de conceber conjuntos vazios como sendo uma categoria quantitativa, salienta Nieder. E visto que o cérebro evoluiu para processar esmulos sensoriais, o facto de ser capaz de conceptualizar os conjuntos vazios constitui um feito extraordirio, acrescenta.

E conclui: O nosso estudo fornece o primeiro sinal do processo que o cérebro utiliza para formular conceitos [numéricos] sem relação com a experiência, para além do que é percepcionado o que é indispensável para construir uma teoria complexa dos meros. E este processo poderá constituir a raiz neurobiológica da capacidade humana de descobrir (ou inventar) o zero e transformá­lo num verdadeiro mero.


Evolução cultural


Não é por acaso que o zero tal como o concebemos hoje demorou tanto tempo a ser realmente compreendido pela mente humana. É que, para lá chegar, tivemos por exemplo de aceitar (como já mencionado por Jorge Buescu) que o era possível dividir por zero. De facto, a matemática do zero só ficou completa no século XVII, com a invenção, por Isaac Newton e Gottfried Leibniz, do chamado cálculo infinitesimal, um ramo da matemática essencial à sica.

Uma outra prova da dificuldade conceitual associada à nossa noção actual de zero é que as crianças demoram anos a perceber do que se trata. As crianças têm, primeiro, de perceber que o zero representa uma quantidade vazia capacidade, essa, que desenvolvem durante o quarto ano de vida, diz­nos Nieder. E é por volta dos seis anos que, finalmente, percebem a relação entre o zero e os outros meros pequenos e que o zero é o mais pequeno de todos os meros inteiros.

A compreensão do zero requer um alto nível de abstraão, uma vez que, enquanto mero, o zero transcende a experiência empírica, explica ainda Nieder. E é interessante constatar que os vários usos do zero ao longo da história reflectem estados mentais (níveis de abstraão) diferentes, que podem ser identificados na cultura humana ao longo do tempo.

Para Stanislas Dehaenne, foram aliás a cultura e a educação e o a evolução que, ao longo da nossa história, permitiram que o cérebro humano atingisse os níveis de abstraão que lhe conhecemos e que se cristalizaram, em particular, na matemática moderna.

Essencialmente, hermos da evolução apenas um sentido rudimentar de mero, que partilhamos com outros animais e que até os bebés possuem aos poucos meses de vida, explicava Dehaenne (autor do livro The Number Sense) numa entrevista em 2009 à Scientific American. É aproximativo

e o simlico (), mas deu­nos no entanto o conceito de mero e s a seguir aprendemos a estendê­lo com símbolos culturais (como os dígitos) e fazer aritmética de maneira muito mais precisa.