Ecrãs para os mais pequenos não, defende neuropsicólogo
"O espanhol Álvaro Bilbao alerta para os problemas de défice de atenção, comportamento e insucesso escolar.
O neuropsicólogo espanhol Álvaro Bilbao defende que os ecrãs deviam estar vedados às crianças até aos três anos. Os estímulos rápidos e as recompensas imediatas dos tablets e dos smartphones matam a curiosidade, avisa.
No seu livro O cérebro da criança explicado aos pais, lançado este mês em Portugal, Álvaro Bilbao deixou em branco o capítulo 25, destinado a elencar as melhores aplicações tecnológicas para crianças até aos seis anos. "Lamento dizer que não encontrei nenhuma que seja útil para o desenvolvimento intelectual e emocional das crianças destas idades", diz o autor, doutorado em Psicologia da Saúde e formado em Neuropsicologia pelo Hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
O especialista em plasticidade cerebral lembra os vários estudos que já demonstraram que as crianças que se expõem muito cedo a novas tecnologias têm maior probabilidade de desenvolver défice de atenção, problemas de comportamento e insucesso escolar.
Mas os ecrãs não são todos iguais. Para Álvaro Bilbao, a televisão "causa menos danos" porque permite maior passividade.
Pode parecer um contrassenso para os pais que uma ferramenta "mais passiva" seja menos nociva, mas é a rapidez do ritmo de interacção e a quantidade de estímulos das novas tecnologias que mais preocupam o especialista. "As crianças recebem muitos estímulos visualmente atractivos e têm muitas recompensas rápidas. Passam o dedo no ecrã e têm um prémio. Na vida real não é assim; na vida real a professora não é tão visualmente colorida, não se move tão depressa e não está constantemente a reforçar a criança".
Além disso, a rapidez e quantidade de estímulos recebidos pelas novas tecnologias não permitem treinar a atenção, nem a paciência.
As televisões sempre são mais passivas e activam ondas cerebrais que ajudam a relaxar. Ainda assim, também a televisão deve ser doseada, diz Bilbao, permitindo períodos curtos e retardando o mais possível na idade. "Muita estimulação mata a curiosidade, uma criança que recebe muita informação satura-se e deixa de gostar de explorar e de aprender. Já uma criança curiosa é a que gosta de aprender. Não matemos a curiosidade", pede o neuropsicólogo.
Álvaro Bilbao incita os adultos a uma reflexão sobre o seu próprio uso das novas tecnologias; "Usamos smartphones há alguns anos. Quantos de nós se notam mais inteligentes por isso? E, agora, quantos de nós se sentem menos pacientes?".
Mais desenvolvimento intelectual traz felicidade?
A maioria dos pais dedica muito esforço à formação académica dos filhos, convencidos de que uma "mente brilhante abrirá todas as portas", mas o neuropsicólogo considera errada a ideia de que maior desenvolvimento intelectual traz mais felicidade.
O especialista espanhol parte da ideia de que o cérebro se divide em três partes – uma mais instintiva, outra mais intelectual e outra mais emocional. Ora, os primeiros anos da criança são os mais importantes para o desenvolvimento da parte emocional; é aqui que se progride na autoestima, na confiança em si mesmo e no vínculo aos outros, em primeiro lugar, aos pais.
Álvaro Bilbao pega no exemplo da aprendizagem de línguas, começando por admitir que é mais fácil aprender chinês ou inglês nos primeiros anos. Contudo, as línguas estrangeiras podem ser aprendidas mais tarde, enquanto o desenvolvimento da autoestima, a imaginação, o afecto e bons vínculos ocorrem nesses primeiros anos e, depois, pode ser tarde demais.
"Os primeiros anos de uma criança são para o cérebro emocional, não para o cérebro racional ou intelectual", resume o neuropsicólogo.
O perito reconhece que actualmente se fala muito em inteligência emocional, mas julga que se age pouco de acordo com o que já é conhecido: "Quando numa escola há uma criança sem amigos ou que sofre perseguição de colegas, a escola segue em frente, continua dando matéria e testes, mas não se detém a solucionar esse problema emocional".
Modelo semelhante é visível nos pais, que depositam interesse nas notas que um filho atinge mas não se preocupam tanto em saber se é bom com os seus pares ou se tem algum colega que esteja sempre sozinho ou isolado.
No livro, o autor advoga que a maioria dos pais dedica muito esforço à formação académica por estarem convencidos de que "uma mente brilhante abrirá todas as portas que podem levar uma pessoa a ser feliz". "A ideia de que um maior desenvolvimento intelectual proporciona uma maior felicidade está totalmente errada", afirma.
A chave para compreender melhor a afirmação do neuropsicólogo pode estar na ausência de correlação entre a capacidade intelectual e a capacidade emocional. E para o autor, a prova disso é que há muitas pessoas com excelentes carreiras de sucesso e cheias de capacidades intelectuais mas que não têm empatia, sofrem de stress crónico e não conseguem encontrar felicidade.
O especialista vinca que a inteligência emocional e a racional estão localizadas em áreas bem diferentes do cérebro, que são independentes.
Mas a ciência da inteligência emocional é recente, era desconhecida da geração que desempenha agora o papel de avós ou bisavós e foi pouco transmitida aos actuais pais, que desconhecem ainda muito do vocabulário emocional.
Álvaro Bilbao defende a importância de deixar que a criança expresse as suas emoções, as entenda e as saiba nomear: "Se tem vontade de chorar, pois que chore. Não lhe digamos, 'pára de chorar'. Devemos tentar que perceba qual a razão que a faz chorar, que a identifique e a compreenda". "