Um artigo muito interessante, publicado hoje no Público e que pode explicar, pelo menos para mim, porque é que ao longo da vida fiz e tenho tão poucos amigos.
Estudo publicado na revista Nature Communications avaliou padrões de actividade neuronal e concluiu que os amigos podem ser muito parecidos na forma como reagem emocionalmente ao mundo que os rodeia.
ANDREA CUNHA FREITAS
Esqueça o clube de futebol, o partido político, a banda de música, o escritor preferido. Entre muitas outras coisas que possam ter em comum e apesar de todas as diferenças que possam existir, os amigos parecem partilhar uma resposta neuronal muito semelhante aos estímulos do mundo que os rodeia. E esse “laço invisível” que apenas pode ser detectado no cérebro pode ajudar a prever amizades. Esta é a principal conclusão de um estudo publicado na revista Nature Communications esta terça-feira, por uma equipa de investigadores dos EUA.
A experiência foi relativamente simples. Os cientistas começaram por mapear a rede social da Faculdade de Dartmouth, em Hanover, e perguntar a 280 alunos quem era amigo de quem. Depois, convenceram 42 destes alunos que estavam a fazer a pós-graduação a visitar o laboratório onde assistiram a um conjunto de vídeos sobre os mais variados temas, incluindo política, ciência, comédia e música. Enquanto viam esta diversificada programação, a reacção dos seus cérebros foi vigiada através de ressonâncias magnéticas funcionais (que permitem ver “um filme” do que acontece nas várias regiões cerebrais perante um estímulo ou uma tarefa).
"Descobrimos que os cérebros dos participantes que eram amigos responderam ao que viram de uma maneira excepcionalmente similar”, refere ao PÚBLICO Carolyn Parkinson, professora assistente de psicologia, directora do Laboratório de Computação Neurociências Sociais da Universidade da Califórnia, Los Angeles, e principal autora do artigo. A investigadora nota ainda que “as pessoas que eram amigas dos amigos uns dos outros, mas não amigas entre si, responderam ao que viram de forma mais semelhante do que as pessoas mais afastadas em termos de laços sociais”. E conclui: “Estes resultados sugerem que os amigos podem ser excepcionalmente parecidos uns com os outros na forma como respondem e reagem emocionalmente e interpretam o mundo”. Algumas das regiões cerebrais onde o efeito foi mais robusto estão envolvidas em tarefas como concentrar a atenção e no processamento emocional.
No estudo, os investigadores tiveram em conta variáveis como ser destro ou canhoto, a idade, género, etnia e nacionalidade, mas concluíram que a semelhança na actividade neural entre amigos era evidente. Segundo referem, estes resultados obtidos por exames de ressonância magnética podem ser usados para prever se aquelas duas pessoas são amigas, mas também para ter uma noção da distância social entre os dois.
“Somos uma espécie social e vivemos ligados a toda a gente. Se queremos entender como o cérebro humano funciona, então precisamos de entender como os cérebros funcionam em combinação – como as mentes se moldam umas às outras”, explica Thalia Wheatley, professora de ciências psicológicas e cerebrais em Dartmouth e outra das autoras do estudo, num comunicado da instituição.
Esta amigável comunhão de actividade cerebral pode ser enternecedora, no entanto, também suscita muitas dúvidas imediatas. Sabemos, por exemplo, que a maioria das pessoas reúne à sua volta amigos com interesses que podem ser muito diferentes. Será que apesar de não ouvirmos as mesmas músicas, não lermos os mesmos livros, não torcermos pelo mesmo clube, não nos vestirmos da mesma forma, não adoptarmos o mesmo estilo de vida, entre outras opções que fazemos na vida, há um invisível laço cerebral que nos une aos nossos amigos? “Os nossos resultados provavelmente não capturam tudo o que determina a amizade em todas as circunstâncias, mas mostram que os cérebros dos amigos tendem a responder ao mundo de formas surpreendentemente semelhantes, em comparação com as pessoas com quem temos também oportunidade para fazer amizade e não fazemos”, responde Carolyn Parkinson.
Mas há mais questões. Além de termos amigos que podem ser muito diferentes, também temos vários “círculos” de amigos que coexistem mas nem sempre se misturam. Temos amigos no trabalho, de infância, dos tempos da escola, de família, entre outros. Será que o facto de os cientistas terem estudado um só destes grupos, neste caso específico os amigos da faculdade, pode ter influenciado de alguma forma os resultados? “É uma óptima pergunta. Não abordamos essa questão mas seria interessante fazer um estudo semelhante com uma amostra mais ampla para testar isso”, diz Carolyn Parkinson.
E o tempo importa? A “idade” da amizade vai-nos tornando cada vez mais parecidos? O estudo também não responde a essa dúvida. “Aqui, quase todos não conheciam nenhum dos seus colegas antes de se inscreverem no programa académico. Portanto, conheceram-se na mesma altura. No futuro, seria interessante testar se a semelhança entre amigos aumenta à medida que passam mais tempo uns com os outros.”
E quanto ao amor? Se é assim numa amizade, será que um casal unido há vários anos terá um padrão de actividade neuronal ainda mais próximo? Essa é outra questão “intrigante”, refere Carolyn Parkinson, que admite que poderá ser estudada no futuro mas que não foi abordada neste trabalho.
“O nosso estudo demonstra que os amigos processam o mundo de uma maneira excepcionalmente similar. Com este estudo, não podemos determinar se esses resultados se devem ao facto de as pessoas verem e pensarem sobre o mundo de formas semelhantes e por isso se tornam amigos ou se os amigos se tornam mais parecidos uns com os outros ao longo do tempo na forma como processam o mundo por partilharem experiências e as mesmas influências sociais”, diz a investigadora ao PÚBLICO. Para já, entre as muitas questões no ar, a equipa está a trabalhar em estudos com uma abordagem longitudinal para responder a essa dúvida. De uma forma ou de outra, este estudo parece deixar claro que, além de amigos na vida, também se pode comprovar que somos amigos no cérebro