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"Vivemos num regime de poder absoluto dos partidos"
Uma entrevista, a meu ver importante, no Público de ontem, Domingo.
Christos Yannaras, por Maria João Guimarães
Christos Yannaras, filósofo, professor universitário, autor de livros como A Ortodoxia e o Ocidente ou O Significado do Mal (traduzidos em inglês ou francês, não em português), comentador no diário Kathimerini,
fala sobre a situação actual na Grécia e na Europa. A seguir à
entrevista, no metro, um episódio curioso: uma mulher de meia-idade
dirige-se a Yannaras com voz suplicante. Segue-se uma troca de palavras,
em grego. Quando ela vira costas, ele explica: perguntara-lhe em quem
votar. "Já me aconteceu mais vezes nos últimos tempos", comentou
Yannaras. "As pessoas estão mesmo perdidas."
Qual é o principal problema da Europa?
Penso
que a Europa passa por uma crise cultural muito profunda. É uma crise
do nosso paradigma. Posso defini-la através de dois exemplos. O primeiro
é que a economia está autonomizada em relação à sociedade - não tem
nada a ver com ela. O dinheiro que se joga na bolsa não tem nada a ver
com a produção, com a criatividade de um país. É um dinheiro abstracto,
logístico. O segundo é que a política foi autonomizada em relação à
sociedade. Faz-se a política sem objectivos concretos, visão social,
etc. Faz-se a política como se se dirigisse uma empresa, sujeita às
regras do marketing. Isto não poderá continuar muito tempo. A economia e a política são a praxis
mais essencial para viver em sociedade. Se a sua função não é parte da
sociedade, não tem sentido. Espero que este paradigma não sobreviva
muito mais. Isso significa 50 anos, 100, ninguém sabe. Mas, na minha
opinião, é certo.
E que novo paradigma poderá ser esse?
Tenho
ideia de que o elemento característico do paradigma de hoje é o
individualismo, bem preparado por uma tradição longa de religião, da
salvação individual, com virtudes e obrigações individuais, em que o
estar junto tem um objectivo utilitário. Já em todo o mundo greco-romano
a primazia era a participação, a comunhão da vida, da existência; a
salvação era uma partilha, e a política era um esforço de participação
de cada um que tinha como objectivo a verdade, não a utilidade. Na
história da humanidade não há muitos modelos. Há o individualista, em
que as comunidades são somas de indivíduos, e há modelos de comunidades
que partilham verdadeiramente a vida. Se o modelo individualista, que
teve grande sucesso com a civilização da modernidade, chegou a um
impasse, não temos escolha. É preciso reencontrar, mas de modo criativo,
não por imitações ou ideologias, a vida como comunhão.
Como vê este momento político de eleições na Grécia?
As
eleições não têm sentido nenhum. O sistema político, que levou o país a
uma catástrofe, é o mesmo que as organiza. A catástrofe não está ainda
completa, é por isso que o novo ainda não chegou. Não há nada de novo
nestas eleições. Somos levados, infelizmente, e apesar de tudo, a votar
em algo que nos deixa nauseados.
Qual é o papel da Grécia na Europa?
Depois
do helenismo, a Grécia abandonou a sua tradição. E criámos um Estado
que é uma cópia dos Estados europeus. Mas isso não funciona e chegámos
ao fim. O que estou a chamar cultura helénica não tem, no entanto, nada
de nacionalista. O helenismo é por definição cosmopolita.
E a democracia? Estamos sempre a ouvir que há uma crise da democracia no país onde ela nasceu.
A
democracia que praticamos na Grécia não tem nada a ver com a democracia
grega antiga, cujo objectivo era chegar à verdade, e ao mesmo tempo não
tem nada a ver com a democracia da modernidade, cujo objectivo era
servir a necessidade do indivíduo. Há um regime totalitário dos partidos
que têm um poder absolutizado. É um verdadeiro pesadelo. E,
infelizmente, não podemos reagir. Não temos os meios, a possibilidade de
reagir contra esta escravatura do regime dos partidos políticos. Também
é assim noutros países, mas na Grécia é absolutamente horroroso.
Poderá
haver uma leitura religiosa da crise? Há quem aponte, por exemplo, que a
moralização da dívida resulta da tradição protestante na Alemanha?
Sim,
sobretudo na Alemanha, há a tradição protestante que sacraliza o
dinheiro. Não é preciso ser-se protestante. Acontece na Bélgica, no
Luxemburgo, no mundo anglo-saxónico. Mas sim, há um aspecto religioso,
muito essencial. Procuro resumi-lo dizendo que há séculos o cristianismo
na Europa em geral - infelizmente aqui também - se tornou religioso. O
cristianismo começou por ser uma igreja. O termo define a assembleia de
cidadãos, como uma realização e manifestação da polis, do nosso
modo de coexistência. Mas hoje praticamos um cristianismo totalmente
individualista. Tentamos fazer boas acções para termos virtude e ganhar a
salvação individual. Ou seja, a igreja representa assim uma moral
utilitária e não dá nenhuma resposta ao enigma da vida e da morte.
Interessante... fez-me lembrar a minha opção em passar a ser (e aparecer) Clistenes, a quem se deve a lei que instituiu que o poder deve pertencer a um colectivo e que quem ameaça a Democracia deve ser condenado ao ostracismo. Ele e eu, abominamos a tirania e os tiranetes... mesmo que sufragados.
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