07 maio, 2012

"Vivemos num regime de poder absoluto dos partidos"

 Uma entrevista, a meu ver importante, no Público de ontem, Domingo.

Christos Yannaras, por Maria João Guimarães

Christos Yannaras, filósofo, professor universitário, autor de livros como A Ortodoxia e o Ocidente ou O Significado do Mal (traduzidos em inglês ou francês, não em português), comentador no diário Kathimerini, fala sobre a situação actual na Grécia e na Europa. A seguir à entrevista, no metro, um episódio curioso: uma mulher de meia-idade dirige-se a Yannaras com voz suplicante. Segue-se uma troca de palavras, em grego. Quando ela vira costas, ele explica: perguntara-lhe em quem votar. "Já me aconteceu mais vezes nos últimos tempos", comentou Yannaras. "As pessoas estão mesmo perdidas."

Qual é o principal problema da Europa?


Penso que a Europa passa por uma crise cultural muito profunda. É uma crise do nosso paradigma. Posso defini-la através de dois exemplos. O primeiro é que a economia está autonomizada em relação à sociedade - não tem nada a ver com ela. O dinheiro que se joga na bolsa não tem nada a ver com a produção, com a criatividade de um país. É um dinheiro abstracto, logístico. O segundo é que a política foi autonomizada em relação à sociedade. Faz-se a política sem objectivos concretos, visão social, etc. Faz-se a política como se se dirigisse uma empresa, sujeita às regras do marketing. Isto não poderá continuar muito tempo. A economia e a política são a praxis mais essencial para viver em sociedade. Se a sua função não é parte da sociedade, não tem sentido. Espero que este paradigma não sobreviva muito mais. Isso significa 50 anos, 100, ninguém sabe. Mas, na minha opinião, é certo.

E que novo paradigma poderá ser esse?

Tenho ideia de que o elemento característico do paradigma de hoje é o individualismo, bem preparado por uma tradição longa de religião, da salvação individual, com virtudes e obrigações individuais, em que o estar junto tem um objectivo utilitário. Já em todo o mundo greco-romano a primazia era a participação, a comunhão da vida, da existência; a salvação era uma partilha, e a política era um esforço de participação de cada um que tinha como objectivo a verdade, não a utilidade. Na história da humanidade não há muitos modelos. Há o individualista, em que as comunidades são somas de indivíduos, e há modelos de comunidades que partilham verdadeiramente a vida. Se o modelo individualista, que teve grande sucesso com a civilização da modernidade, chegou a um impasse, não temos escolha. É preciso reencontrar, mas de modo criativo, não por imitações ou ideologias, a vida como comunhão.

Como vê este momento político de eleições na Grécia?

As eleições não têm sentido nenhum. O sistema político, que levou o país a uma catástrofe, é o mesmo que as organiza. A catástrofe não está ainda completa, é por isso que o novo ainda não chegou. Não há nada de novo nestas eleições. Somos levados, infelizmente, e apesar de tudo, a votar em algo que nos deixa nauseados.

Qual é o papel da Grécia na Europa?

Depois do helenismo, a Grécia abandonou a sua tradição. E criámos um Estado que é uma cópia dos Estados europeus. Mas isso não funciona e chegámos ao fim. O que estou a chamar cultura helénica não tem, no entanto, nada de nacionalista. O helenismo é por definição cosmopolita.

E a democracia? Estamos sempre a ouvir que há uma crise da democracia no país onde ela nasceu.

A democracia que praticamos na Grécia não tem nada a ver com a democracia grega antiga, cujo objectivo era chegar à verdade, e ao mesmo tempo não tem nada a ver com a democracia da modernidade, cujo objectivo era servir a necessidade do indivíduo. Há um regime totalitário dos partidos que têm um poder absolutizado. É um verdadeiro pesadelo. E, infelizmente, não podemos reagir. Não temos os meios, a possibilidade de reagir contra esta escravatura do regime dos partidos políticos. Também é assim noutros países, mas na Grécia é absolutamente horroroso.

Poderá haver uma leitura religiosa da crise? Há quem aponte, por exemplo, que a moralização da dívida resulta da tradição protestante na Alemanha?

Sim, sobretudo na Alemanha, há a tradição protestante que sacraliza o dinheiro. Não é preciso ser-se protestante. Acontece na Bélgica, no Luxemburgo, no mundo anglo-saxónico. Mas sim, há um aspecto religioso, muito essencial. Procuro resumi-lo dizendo que há séculos o cristianismo na Europa em geral - infelizmente aqui também - se tornou religioso. O cristianismo começou por ser uma igreja. O termo define a assembleia de cidadãos, como uma realização e manifestação da polis, do nosso modo de coexistência. Mas hoje praticamos um cristianismo totalmente individualista. Tentamos fazer boas acções para termos virtude e ganhar a salvação individual. Ou seja, a igreja representa assim uma moral utilitária e não dá nenhuma resposta ao enigma da vida e da morte.

1 comentário:

  1. Interessante... fez-me lembrar a minha opção em passar a ser (e aparecer) Clistenes, a quem se deve a lei que instituiu que o poder deve pertencer a um colectivo e que quem ameaça a Democracia deve ser condenado ao ostracismo. Ele e eu, abominamos a tirania e os tiranetes... mesmo que sufragados.

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