Aceitam-se críticas.
Muitas pessoas - e não apenas «radicais
de esquerda» - tinham avisado desde o princípio que este tipo de
tratamento era susceptível de matar o paciente. Mas os donos do
verdadeiro poder, a grande finança portuguesa e internacional, não
queria ouvir nada. Só aceitavam que os partidos e governos, submissos,
aplicassem a receita neoliberal, com todos os pós de hipocrisia e de
conversa fiada, em que os políticos são exímios. O bom povo lá foi
votando neles, mais uma vez enganado, confiante de que eram «estas
raposas que iam pôr ordem no galinheiro».
Agora, temos o nosso país e todos os outros, que enveredaram pelo mesmo
caminho na eurozona, metidos num colete de forças. As medidas de
austeridade apenas anunciam mais do mesmo e não se vê qualquer luz ao
fundo do túnel. Esta luz, que tantos procuram tão ansiosamente, apenas
se poderá acender quando as pessoas estiverem por fim conscientes de que
têm de tomar nas suas próprias mãos a resolução dos seus problemas.
Isso implica varrerem os políticos e seus acólitos da média ao serviço
do grande capital, dos economistas, que fazem o seu show quotidiano de
submissão à mão que lhes dá de comer!
Há uma interpretação - silenciada na
média corporativa - sobre este rumo da economia e finanças globais: é a
de que este caminho agora trilhado tem servido propositadamente para o
recuo dos trabalhadores e dos povos, sujeitando-os ainda mais à agenda
neoliberal, ao poderio sem limites da finança mundial. Pois assim -
conforme aos desejos da banca, finança e grandes corporações - estão
reunidas as condições para a desregulação do mercado do trabalho, os
cortes cegos no «Estado Social», de destruição das fracas forças que se
opõem ao capitalismo triunfante. O resultado desta ofensiva é um grau de
sujeição nunca antes visto nos tempos modernos, permitindo a ditadura
total dos muito ricos, escondidos atrás da figura imaterial dos
«mercados».
A receita falhou, porque estava
destinada a falhar! Os técnicos do FMI, da UE e do BCE, que compõe a
«troika» e os economistas e «analistas» que os apoiaram, não eram
incompetentes ou ingénuos! Pelo contrário, eram plenamente conscientes
do que faziam, sabendo que a verdade nua e crua seria sempre totalmente
inaceitável pelos povos. Assim, numa operação cosmética de grande
aparato, fizeram crer que «era inevitável», que não havia senão este
caminho ou então... um horror... mas qual horror? O regresso às moedas
nacionais seria uma mudança dolorosa, sem dúvida, mas que traria uma
dinâmica de correcção, como a que foi trazida quando o Peso argentino
descolou da paridade com o Dólar, aquando da interrupção de pagamento da
dívida da Argentina. Hoje, onze anos depois, a Argentina pagou tudo o
que devia e regressou aos mercados. Pode-se considerar uma potência em
muito melhor estado, em termos relativos, do que os EUA e a UE. Mas é
isto que não querem que o povo saiba, por isso nunca se discute a
Argentina, nem - tão pouco - a Islândia.
Há
uma cortina de silêncio destinada a fazer crer que «não existe outra
saída», senão uma continuidade na receita. Só que esta receita falhou
desde o primeiro instante, de forma obstinada e sem dar sinais de
qualquer inversão de tendência. Contrariamente às mentiras dos políticos
do «arco do poder», todos os sinais são no sentido do agravamento do
estado da economia em Portugal e em todos os países sujeitos a estes
planos de «salvamento».
Como
dizia Passos Coelho (primeiro ministro [da troika, colocado no posto de
supervisão] de Portugal) «o desemprego pode ser visto como uma
oportunidade». Efectivamente, é uma oportunidade para os muito
poderosos: graças ao desemprego, eles poderão esmagar os que não têm
senão a sua força de trabalho, pois se sujeitarão a tudo e não terão
coragem para reivindicar qualquer legítimo direito, constitucionalmente
«garantido», face à ameaça permanente sobre o seu ganha-pão. Assim, os
muito poderosos criaram as bases para uma exploração muito mais alargada
da força de trabalho e, logo, um maior lucro.
Eu
não pretendo ditar um caminho, mas sim propor um método: as pessoas que
discutam com as outras, sejam da sua família, sejam amigos e colegas de
trabalho, quais os meios para contrariar esta guerra contra os pobres.
Como em qualquer guerra, a primeira baixa é a verdade, por isso teremos
de insistir nas verdades e desmascarar as mentiras dos nossos inimigos.
Mas,
por cima e além de enunciar de verdades, temos de encontrar meios
próprios para fazer face à espoliação do que é nosso, quer sejam
salários, pensões, ou os meios de que o Estado está obrigado a fornecer à
sociedade: podemos construir associações de apoio mútuo (incluindo
cooperativas e sindicatos independentes), sem interferência do estado
sob qualquer forma - as pessoas têm de passar a confiar umas nas outras,
mais do que no «Estado», pelo menos enquanto este for apenas um
instrumento nas mãos dos poderosos. As pessoas podem muito mais do que
pensam; por isso mesmo é que se tornou imperiosa a existência de uma tão
grande manipulação; por isso é que existe um exército de manipuladores,
muito bem pago, que permite manter a chamada «coesão social» (outro
nome para «resignação» e «alheamento social»).
Quanto
mais cedo Portugal sair do colete de forças em que está metido, melhor:
denunciando o «acordo de resgate», que não mais é do que uma imposição
violenta da agenda neoliberal ou seja, um programa de asfixia da
economia real do país, em nome de um mítico «equilíbrio». «Equilíbrio»
esse que nem o país mais forte da UE (a Alemanha) possui. A oportunidade
para isso acontecer é agora, pois a Grécia irá, em breve, reverter ao
Dracma e suspender os pagamentos da dívida aos seus credores. A Grécia
fará isso, inevitavelmente, apesar do seu governo ser o mais favorável
possível à permanência no Euro, porque a situação catastrófica da sua
economia não pode ser disfarçada e porque os alemães se recusam
terminantemente a financiar um terceiro resgate a este país.
Nestas
circunstâncias muito particulares, estamos perante uma oportunidade
histórica de sairmos desta situação, de sairmos do beco, suspendendo os
pagamentos da dívida, reintroduzindo o Escudo, com base naquilo que é a
realidade nua e crua: a trajectória, desde há mais de um ano, de
«assistência» da troika a Portugal, assemelha-se - como cópia a papel
químico - ao que se tem vindo a passar com a Grécia desde há uns três
anos atrás. Como para as mesmas causas é sensato pensar-se que obtenham
os mesmos efeitos, quanto mais depressa sairmos do caminho errado,
melhor! Será um alívio para a economia deste país e muito para além da
economia, para a subsistência de Portugal, enquanto estado e nação
independente.
A obsessão com a nossa manutenção
dentro da zona euro tem de ser reconhecida como um grande erro. A
entrada de Portugal para o Euro, há onze anos, foi a causa primária do
que se veio a passar de menos bom, nomeadamente do sobre-endividamento
dos sucessivos governos, desde a introdução do euro. Na verdade, a
permanência no euro só trouxe claras vantagens para uma camada reduzida
de banqueiros, eurocratas e políticos corruptos.
O facto de haver uma moeda comum
super-forte (alinhada, na altura, pelo padrão do Marco alemão), foi um
factor decisivo do excessivo endividamento, o qual foi encorajado pela
banca nacional e dos mais poderosos países do Euro.
Os partidos do chamado «arco do
poder» proporcionaram - foram agentes activos - desse endividamento por
parte do Estado, mas também estimularam o sobre-endividamento das
famílias e das empresas, promovendo políticas super- laxistas. Os bancos
foram sempre concordando com tais políticas, pois isso lhes permitia
aumentar os lucros, com o aumento dos empréstimos às famílias e às
empresas.
O grave erro dos portugueses foi
acreditarem nos referidos dirigentes e darem-lhes confiança, quando
estes os estavam a encaminhar para o abismo. Não devem voltar a dar
confiança a uma classe política, empresarial e mediática, profundamente
corrompidas e que tem enganado sistematicamente o povo. Não me parece
sensato insistir nas mesmas «soluções» que têm falhado repetidas vezes,
isso seria demonstração de estupidez.
A ideia de que não podemos fazer
nada, senão nos submetermos às medidas da troika para Portugal, é
infundida através de discursos sem fim, apenas com o objectivo de levar a
cabo o programa de eliminação total de quaisquer restos de Estado
Social, com tudo o que isso significa de precarização permanente do
vínculo laboral, incerteza completa em relação a situações de
desemprego, velhice ou incapacidade, ausência de serviços sociais que
não sejam mercantilizados, enfim, um recuo em termos sociais a situações
anteriores à segunda metade do século vinte, mas com uma agravante:
nessa altura, as pessoas estavam habituadas a lutarem, não tinham a
ilusão de que o Estado fosse como um super-papá ou super-mamã, sempre
pronto a socorrer os cidadãos em caso de necessidade. Nessa altura, não
havia dúvida de que os oprimidos tinham de se unir e lutar
colectivamente para defender o pouco que tinham e conquistar algo mais.
Agora, as jovens gerações estão
anestesiadas, com todas as facilidades ou a ilusão das mesmas,
veiculadas pela média, pelas modas especialmente dirigidas aos jovens e
que se destinam a fazê-las esquecer quais os seus interesses. As pessoas
estão tão manipuladas, que engolem a falácia de que os seus interesses
pessoais e particulares estão em oposição ou não têm nada que ver com os
interesses dos outros. Assim, os direitos colectivos são completamente
ignorados, desprezados. As pessoas estão entregues a si próprias, pela
incapacidade em se associarem e agirem em cooperação, para o bem comum.
Os grandes do poder económico e politico estão portanto num contexto
muito favorável, pois podem fazer tranquilamente o seu jogo, sem risco
de serem denunciados, desmascarados e derrubados.
Não
serve de nada projectar soluções míticas para a resolução dos nossos
problemas, mas isso não significa que deixemos cair os braços! Basta
termos a coragem de assumir que os problemas que enfrentamos foram
criados -numa certa medida- por nós (por acção ou por inacção) e
portanto, são passíveis de superação, se e somente se, formos nós a
trabalhar para a sua solução.
Solidariedade,
Manuel Baptista
Criticar? Sé se for a data tardia...
ResponderEliminarSublinho do texto: "Quanto mais cedo Portugal sair do colete de forças em que está metido, melhor: denunciando o «acordo de resgate», que não mais é do que uma imposição violenta da agenda neoliberal ou seja, um programa de asfixia da economia real do país, em nome de um mítico «equilíbrio»"
e assino por baixo
Obrigado Susana, por teres colocado este texto no teu blog!
ResponderEliminarAgradeço também ao 1º comentador!
Apenas queria acrescentar que a minha interpretação da realidade não é tardia, apenas tenho tido muita dificuldade em fazer com que um pouco de verdade escoe por entre a algazarra desafinada do coro neoliberal, sem possibilidade prática nenhuma para quem não «afina por tal diapasão» em colocar a sua deixa, por mais sensata e comedida que seja.